Aventuras Amorosas de um Padeiro (Waldir Onofre, 1975) é um filme pouco convencional. A princípio parece ser uma pornochanchada, porém como tantas outras que foram lançadas no mercado cinematográfico brasileiro na década de 1970, a obra não é o que aparenta. Desde o título, referência ao padeiro português Seu Marques (Paulo César Peréio), mas, na verdade, tem como protagonista Rita (Maria do Rosário), uma mulher recém casada com Mário (Ivan Setta), um vendedor de carros de classe média tipicamente conservador.
O principal intuito do trabalho de Onofre é criar um título enganoso de pornochanchada, como tantas outras que haviam no mercado exibidor naquele momento, porém construir um filme que reflete sobre a classe média. Para além do título da obra, o cineasta se concentra no feminino para oferecer um verdadeiro protagonismo narrativo e colocar os personagens masculinos em sua órbita. Assim, além de Mário e Seu Marques, já mencionados, Saul (Haroldo de Oliveira), artista negro que vive à margem da sociedade, forma outro laço de Rita na narrativa.
Logo no início, Rita declara para suas amigas de faculdade que Mário não a satisfaz sexualmente. Entre os conselhos que recebe, um deles indica que ela só será feliz no casamento, de fato, quando tiver uma relação extraconjugal. A partir daí começa a aceitar as investidas de Seu Marques. Entretanto, ela explica para suas amigas que o português é pior do que o marido e a traição não foi satisfatória. Por outro lado, Seu Marques que tem o costume de se relacionar com as freguesas, acaba se apaixonando por Rita.
A vida de Rita se remodela quando conhece Saul. Ela passa a sentir-se bem e relacionar-se com ele continuamente. Deixa de ter uma relação distante com um homem e é inserida em seu mundo. Dessa maneira, há quase uma oposição da personagem entre a relação conturbada e depressiva com o marido e, por outro lado, a relação cheia de vida e de descobertas com Saul.
A oposição proposta entre Mário e Saul pode ser percebida a partir de uma dimensão maior entre o conservadorismo da classe média e a marginalização da população que não se enquadra no universo social pretendido pela burguesia. Afinal, Mário é o típico sujeito que trabalha em horário comercial, engravatado e acredita que a esposa deve cuidar da casa. A ideia de prosperidade é ter um filho e, assim, dar continuidade a uma linha sucessória tipicamente burguesa. A ideia de progresso é mudar para um bairro mais chique, como o próprio comenta com um amigo quando diz que prefere ir para Ipanema, pois as pessoas que frequentam o bar próximo a sua casa não seriam capazes de se comportar como o ambiente mereceria.
O pensamento preconceituoso de Mário é o retrato da classe média que deseja ser burguesa, e não percebe os conflitos sociais que os rodeiam. Por outro lado, a história de vida de Saul o impossibilita de não notar os conflitos sociais. Artista, sofre preconceitos por sua profissão não ser supostamente geradora de riqueza. Por outro lado, no próprio meio artístico, Saul também não é bem recebido por conta da cor de sua pele. Em dado momento, ele avisa para Rita que jamais teria a oportunidade de encenar Shakespeare por ser negro. Ou seja, é como se Saul nadasse conta a corrente o tempo todo e, por outro lado, Mário só aceita que a maré o leve.
Dessa maneira, é muito confuso para Mário quando Rita se mostra desgostosa com a vida de casal. Afinal, ele acredita que trabalha duro para que ela tenha o que deseja. Entretanto, esse ter é somente material. Eles não levam uma vida de casados, pois não passam tempo juntos. Não dividem a rotina. Apenas se submetem aos seus papéis de gênero cristalizados dentro de uma sociedade patriarcal.
Por outro lado, o prazer de Rita com Saul está nas trocas diárias que têm nos pequenos momentos que podem passar juntos e se sentirem realizados com a presença um do outro. Assim, Rita como a figura de amante de Saul é muito mais do que uma figura sexual, embora também o seja. Contudo, mais do que isso, Saul é o sonho de felicidade de Rita. Mário traiu esse sonho, porém, oferece a vida “pré-programada” típica da classe média. Aí está a aflição de Rita.
Ela quer ficar com Saul. Mais do que isso, ela idealiza um outro mundo. Tudo que Saul representa é esse mundo pretendido por Rita. Assim, vai sofrer resistência da própria classe média. Se Mário é um marido traído e, então, teria motivos para odiar Saul, Marques é uma figura tipicamente grosseira e preconceituosa: destila todos os tipos de impropérios contra Saul, consolidando assim a típica imagem conservadora do homem branco de classe média.
Aventuras Amorosas de um Padeiro, contudo, também idealiza um mundo distinto. O final do filme é mais do que a escolha de Rita por Saul, mas contempla todo um universo de pessoas que se aproximam da cultura negra. A própria Rita, vestida como uma entidade de uma religião afro-brasileira, é a representação de outra sociedade possível. Por meio de um gênero tipicamente nacional que era costumeiramente surrado pela crítica cinematográfica Waldir Onofre vira a classe média do avesso e desvenda um Brasil à margem, mas que resiste e se infiltra no universo burguês. O final do filme, então, é apenas uma ideia do que o Brasil poderia ser.