Entrevista André Novais

Entrevista de André Novais Oliveira para Igor Guimarães em 06/2020

 

Igor Guimarães – Então André, você é daqui mesmo de Contagem? 

André Novais – Na real, Igor, eu nasci em Belo Horizonte, mas vivi praticamente toda a vida em Contagem. Meus pais nasceram no interior de Minas, minha mãe é de Teófilo Otoni, meu pai de Crucilància, e o meu irmão nasceu em São Paulo.

IG – Quais foram as referências iniciais que te levaram ao cinema?

AN – O Renato, meu irmão. Aos 9, 10 anos, já me interessava bastante por cinema. Primeiro porque ele alugava muitos filmes nas antigas locadoras, segundo porque ele me incentivou frequentar os festivais aqui de Minas. Numa das edições do festival de curta metragens de Belo Horizonte, vi um panfleto da Escola Live de Cinema. Ali fiz os meus primeiros curtas. 

IG – Pensando um pouco na parte mais do cinema, quais são as suas referências como cinefilia e também na própria criação?

AN – Sempre vi um pouco de tudo. Na minha época, havia uma revista que chamava “Filmes Polvo”, não sei conhece, acho que sim, ne? Enfim, tinham muitas revistas eletrônica ali pelo começo dos anos 2000, esta era uma delas. Especificamente nessa participava um grupo de pessoas na própria Escola Livre de Cinema, fui um pouco influenciado por eles, porque viam muitos filmes e de todos os tipos. Muito por influência deles, comecei a ir nas Mostras de cinema, fui em Tiradentes, por exemplo. Então, comecei a ver muito de cinema brasileiro, de todas as épocas, mas não só brasileiros, gostava muito de cinema americano dos anos 30, 40, 50. Sempre gostei muito de Howard Hawks, Billy Wilder. Via muito de tudo, sempre gostei. 

Agora, sem dúvida, o cinema brasileiro sempre foi muito importante na minha formação. Via os filmes que passavam na Mostra de Tiradentes, tipo Marcelo Pedroso, a galera da Alumbramento, da Teia, eu via bastante disso. E antes disso, o cineasta que mais me pegou foi o Spike Lee. Bom, na real, antes durante e depois. Toda minha vida o cinema dele foi uma referência. A partir daí, comecei a procurar referencias de cinema negro brasileiro, nessa época conheci Joel Zito Araújo, Jefferson De, Adélia Sampaio, e vários outros. 

Durante a quarentena estive vendo muitas coisas legais também. Descobri o MUBI, vi muitos filmes por lá . Estou tentando me habituar esse processo de ver muitos filmes do mesmo diretor. Vi umas coisas do Ozu, Malle e do Panahi- que me fez pensar muito no Kiarostami, um dos meus favoritos. Além disso, vi muitos curtas, principalmente brasileiros, tem muita coisa disponível no PortaCurtas, né? Vi muita coisa de lá, tem filme da Renata Martins, da Yasmin Thayná, o N3grum (2018). Vi também o Até o Fim (2018) da Glenda e do Ary, achei genial .

IG – Alguns autores, teóricos e cineastas discutem o cinema negro debatem sobre a constante utilização de estereótipos na representação do negro. Como você enxerga a utilização dessa categoria?

AN – A maioria deles propõe uma coisa negativa na representação. Utilizam algumas categorias que vão perpetuando anos e anos.  

Acho que, por exemplo, quando pensamos no Spike Lee, o que ele faz é diferente, tem um cuidado extremo com o tratamento. Também entendo que o que é interessante de observar nos seus filmes são os personagens fortes, e que os espectadores tenham um olhar importante sobre eles.

IG – Então, posso afirmar que no seu processo de criação, você também procura esses personagens complexos. Como que você constrói esse processo?

AN – Acho que é resultado destes que vieram antes da gente. Antes de tudo, é uma tentativa. Colocar personagens negros na tela grande com respeito é uma tentativa. Sempre falo desse tema do respeito porque acho que parte disso vem de um desejo de ter o respeito.  

Acho que vem um pouco da vivencia cotidiana também. Nos filmes que dirijo os personagens negros estão incluídos numa questão social que na maioria das vezes são da classe média baixa, de origem mais humilde. Parte disso porque pertenço a uma família humilde também, vem uma questão interessante de alguém que está olhando a situação de maneira próxima. Não se trata de um olhar antropológico. 

Claro que, por esta proximidade com as pessoas não necessariamente vai ser construída uma visão menos estereotipada. Entretanto ajuda bastante estar ali, não sei se mais fácil, mas sinto que é mais palpável retratar as pessoas quando é um igual.  

Ao que refere ao roteiro, por exemplo, vem de uma simplicidade na maneira de trabalhar os personagens. Se pensamos nos longas metragens que dirigi, a maioria do elenco são pessoas que estão interpretando personagens similares a eles mesmo. Claro que há também atores e atrizes profissionais, mas se pensamos no Ela Volta na Quinta, a construção dos personagens existia dentro de certas possibilidades de cena que podiam ser retratadas por aquelas pessoas. Claro que há muito empréstimo das personalidades para atuar. Isso dentro da construção de um personagem não seria algo simples e que rola sempre nos filmes. Não vemos muito essa construção de maneira natural, mas sim orgânica. 

A atuação dá muito espaço para improvisações também. Outra coisa interessante é que todos tinham muitas ganas de atuar e falar como falam em suas próprias vidas. Um partilhar interessante da experiência.  

IG – E porque esses personagens são negros? 

AN – Quero colocar pessoas negras na tela. Para mim é fundamental o protagonismo negro. Principalmente se pensamos numa filmografia brasileira e mundial que se registram poucos negros na tela.

IG – Outro elemento importante nos seus filmes que chama a atenção da crítica é a relação do trabalho com o cotidiano. Como você pensa esse elemento no seu trabalho?

AN – Acho que essa parte vem de algo intuitivo. Outra parte, seguramente, serve como ato político. É importante ver pessoas negras trabalhando. Num audiovisual onde os negros são tratados como subalternos ou que estão sempre fazendo qualquer coisa que não seja trabalhar em cena, muitas vezes relacionados a violência .Não que tenhamos que esquecer da violência, mas no meu caso, colocar negros trabalhando nos filmes e também algo político.

IG – Além desse ponto, outra característica importante que se observa no seu trabalho, desde os primeiro curtas é a família, ou melhor, as famílias. Como observa este elemento na construção dos personagens na sua filmografia?

AN – Sim, é verdade, é um tema muito presente. Em Temporada, ainda não há um registro de uma família ali, a importância da família se revela presente de alguma forma. Todos os elementos da família de Juliana estão vivos de alguma forma, ainda que não apareçam tanto. No primeiro filme, e também um pouco no segundo, há a ideia de mostrar famílias que estão distanciadas dessa ideia de carinho cotidiano. Sobretudo, acho que nos dois filmes vemos famílias despedaçadas ou que estão nesse processo. No Temporada é algo mais obvio, mas no Ela Volta na Quinta, estava pensando que em nenhum momento os 4 personagens são vistos juntos numa cena. É uma família que os filhos, de certa forma, estão saindo de casa, no segundo filme, já está destruído.

IG – Você acha diferente pensar numa família negra brasileira?

AN – Não acho que seja muito diferente. Na real, eu retrato o que vejo, desde a minha experiência. Também retratar famílias brancas, para mim agora, não que seja estranho, é que já vimos muitas. Acho que é o momento de mostrar famílias negras. 

Me preocupo muito e me alegro muito com a identificação das pessoas. Tanto com o meu trabalho como com os outros trabalhos da Filmes de Plástico. No cartaz do No Coração do Mundo (2019) de Gabriel e Maurílio, o nome do ônibus no bairro foi visto por uma menina que ficou maravilhada porque havia um cartaz de cinema com o nome do ônibus que ela pega todo dia para ir ao trabalho. Isso é bem massa.

IG – André, ainda sobre o tema familiar, mas agora exclusivamente, a relação paterna e materna na construção identitária dos personagens dos filmes. Como você observa isso?

AN – Essa pregunta me fez pensar em algo interessante. Não que nunca tivesse pensado, mas é interessante. Na real, acho que é algo da minha formação também. Talvez, pensando em algo de maneira mais precisa, acho que são personagens maternos mesmo quando são ausentes revelam-se com uma importância muito forte, já em contrapartida, os pais são um pouco ausentes. Acho que vai de encontro com o que eu e meu irmão sentimos na vida. 

No primeiro filme, a mãe exerce um papel central para os irmãos, no segundo filme é lembrada com muito carinho, e os pais, no segundo filme, dá para sentir algo ali de pai e filha. O espectador entende que há algo na relação que não esta resolvida. 

Também na nossa geração, Igor, entre os 25-40 vivemos um pouco isso, né? Uns problemas de comunicação oriundo da criação dos nosso pais. Também essa coisa do trabalho, o pai ausente, a mãe ausente. Também há o lance da identificação, sempre um termina se identificando um pouco mais com o outro.

IG – Uma boa parte da critica põe a a nova geração do cinema brasileiro num bloco único, que ficou conhecido como Novíssimo Cinema Brasileiro”. Como você vê essa nomenclatura?

AN – Essa coisa do Novíssimo, não sei. Acompanhando um pouco mais o cinema brasileiro nos últimos anos, lembro que a gente chamava Novíssimo o cinema que passava nos Festivais de Brasília e Tiradentes no começo da década passada. Não acho que seja um rotulo negativo, mas penso que são momentos diferentes. Essa galera do Novíssimo, e esse grupo mais jovem que fazemos parte, que a Filmes de Plástico faz parte que é chamada pelo mesmo nome.  

Eu, sinceramente, vejo duas coisas separadas. Não me refiro a qualidade, nem necessariamente ao estilo. Bom, estilo sim. Somos oriundo de momentos diferentes, por exemplo, por uma questão de financiamento, os filmes anteriores de pessoas como Felipe Braganca, Marcelo Pedroso, a galera da Alumbramento que eram chamados de Novíssimo, eu acho que tem características de fazer filmes sem dinheiro, e agora não é que estamos fazendo filme com muito dinheiro, mas aproveitamos alguns editais, dá para ver um pouquinho mais de pressuposto. Esse pouquinho se vê, nem que seja na própria coisa do financiamento.

IG – Outra nomenclatura que se utiliza é a do cinema negro. Como você enxerga essa?

AN – Então, eu acho que faço cinema negro, mas não sei se dá para definir o que significa exatamente a amplitude do cinema negro. Não consigo definir. Acho que é uma discussão quase sem fim. Acho que faço cinema negra, mas também é um exercício pensar constantemente o que é o cinema negro. Acho que até sabemos as características, mas definir com precisão é difícil. Uma discussão de anos. Difícil.   

IG – Como você pensa o futuro do jovem negro brasileiro que se interessa por cinema, tantos nos estudos, como na realização?

AN – Ainda que estejamos num momento obscuro, onde não sabemos bem o que vai rolar em termos de financiamento, ainda assim penso que o cinema não vai parar. Talvez siga de outra forma, mas acho que estamos passando por um momento muito legal de jovens negros e negras desenvolvendo os primeiros curtas e também ate uns longas.  

Acho que no futuro vamos ver uma quantidade de filmes de um grupo jovem muito forte e muito potente. A Grace Passô que fala disso, no Brasil de agora, se observa uma arte de uma potencia de artistas negros, não acho que isso vai diminuir.