Cine Hilliudy

Fátima Luiza

Quando eu assisti a Cine Holliúdy pela primeira vez, eu tinha 17 anos e morava em Recife. Pernambucana como sou, fiquei curiosa em saber que o filme tinha sido legendado para português mesmo sendo um filme brasileiro. Coloco aqui meus pensamentos ingênuos da época, que não entendia sofisticadamente o que significava variação linguística. Na minha mente, não fazia o menor sentido o filme cearense ser legendado já que lá também se fala português brasileiro.

Então eu assisti ao filme e fiquei mais duvida ainda. Eu entendi perfeitamente todas as falas e toda a situação do filme também. No restante do Brasil, no entanto, a crítica parecia pegar fogo. E eu, no meu reduto nordestino, continuava sem entender o frisson da língua utilizada no filme. 

A questão não é que por ser recifense eu entenda o filme. O nordeste possui nove estados, cada um com suas variantes linguísticas dentro de cada sub-região. Além da divisão política, cada área tem suas divisões geográficas e culturais. Não se fala do mesmo jeito em Petrolina e Recife, duas cidades no mesmo estado, ou mesmo Fortaleza e Crato, no Ceará, onde o filme se passa. A apresentação aqui da questão da variação linguística sequer é profunda para apresentar a riqueza dos detalhes linguísticos de se falar os micro dialetos nordestinos dentro da variação que é o português do Brasil. 

Recentemente, agora formada em Letras, revi Cine Holliúdy tentando manter os olhos – e ouvidos – ingênuos de quem assistira pela primeira vez quase dez anos atrás. E obtive um leve sucesso ao me perguntar novamente: quem foi que não entendeu o que se falava nesse filme?

Talvez a dificuldade de Cine Holliúdy realmente esteja no padrão. Ao estudar a fonética e fonologia do português brasileiro, o padrão e o português falado em uma região que não é o Nordeste. E na superfície deste texto, estou vagamente abordando a questão da variação da linguística, de modo a não me aprofundar no estudo material, mas na verdade buscando de um lado mais pessoal como espectadora e falante. De fato, o filme original sendo falado na variável cearencês traz um ar de primeira estranheza densa no ar para aqueles que não estão acostumados diretamente com tal dialeto. No entanto, para entendê-lo na segunda palavra já é muito fácil. 

Superficialmente, aos 17 anos, eu realmente não entendia porque tanta gente estava revisando o filme como tão difícil de entender em linguagem falada, mas inteligente por ter legendas em português brasileiro. Falamos línguas diferentes? Eu supus. Bastantemente pessoal, considero que, assim como outras línguas, leva algum tempo para que os falantes padronizados entendam que seus discursos não são os únicos. Hoje, como mestre em Cinema e Audiovisual, poderia revisar profundamente a técnica do filme com o conhecimento que venho acumulando nesses últimos quatro anos de estudos. Eu poderia, mas não o faria. Levaria meu tempo para mergulhar fundo nas palavras da narrativa quando estou muito apegada ao dialeto. 

Dentro da mistura de culturas nordestinas, o falecido escritor Ariano Suassuna foi um destacado culturalista que defendeu a supremacia da cultura nordestina sobre a estrangeira. Eu sempre me perguntei o que ele pensaria da nordestinização da palavra Hollywood. Ele ficaria bem com isso ou criticaria sua existência? Acho que ele é o único que eu ouviria uma crítica sobre o Cine Holliúdi – o filme original, porque Suassuna conhecia mais do que ninguém do século 20 o lugar de ser nordestino. Além disso, mostra mais do que como as línguas variam e são uma questão de ser o ‘outro’ dentro de uma nação. 

Por fim, assim como alguns outros filmes convidam sutilmente os cinéfilos a visitar os lugares onde eles acontecem – sejam eles realmente existentes ou na imaginação – um ou dois dias bons no Ceará fariam muitos falantes padronizados falarem como um local. Acho que é só um convite. Ou fique onde estiver sabendo que o S que falamos não é o mesmo que você – e isso não conta como uma necessidade de ser diferente.