Brasil 2088. Assistir a Abolição de Zózimo Bulbul para comemorar os 200 anos da abolição da escravatura neste mesmo país levanta tantas questões do nosso passado, presente e futuro que eu teria que escrevê-las topicamente.
Todavia, primeiro, gostaria de abordar seu surgimento. Quando foi lançado, em 1988, Abolição era um documentário pioneiro sobre a situação dos afro-brasileiros na atualidade, com falas de renomados pesquisadores, atores e intelectuais da época. Cem anos depois, dos tempos de esperança e desespero do Brasil, o documentário mantém sua motivação e precisa provar que a abolição não foi uma celebração ou um único momento do paradoxo entre escravidão e liberdade.
Minha primeira pergunta é, na verdade, por que ainda estou assistindo. Eu sei que é devido ao nosso passado assistir a grandes produções, no entanto, parece que tenho que lutar pelas mesmas batalhas que meus ancestrais tiveram. O Brasil tentou várias opções para se reconciliar com seu passado escravista, todas elas de alguma forma saíram pela culatra. Entre limpar o passado como se limpa uma janela suja de poeira e poluição só para no dia seguinte estar suja novamente, esconder o passado como um grande acordo familiar de se esquecer de como chegamos até aqui até solidamente abordar as questões raciais em voz alta e combatê-las em seus mais altos escalões, tudo parecia andar em círculos. Quanto mais qualquer tipo de medida era tomada, mais nós éramos baleados e mortos nas ruas, negados o acesso à educação básica e ao ensino superior, cargos políticos, crédito, espaço.
Então, minha segunda pergunta é como chegamos aqui a partir de 1988? Olhamos em volta e somos mais da metade da população deste país. A partir da autodeclaração de pretos e pardos nos censos, a população em números absolutos vem crescendo significativamente. Porém onde estamos? Por mais profundo que seja o documentário, também é nosso dever reparar as gerações de afro-brasileiros que ainda não colheram os anos de contínuas tentativas frustradas de reparações históricas. Ainda somos esse documentário.
Desta forma, para onde vamos a partir daqui? O futuro não parece traçado. Nosso passado praticamente o é, no entanto. Nosso presente exige ouvir repetidamente nossos ancestrais traçando o caminho desde a colonização até o momento deles e até agora. Nos últimos cem anos, em que lutamos contra o fascismo subjacente, tivemos esperança novamente, vimos minarem mais nossos direitos como base sólida deste país, olhando para daqui a cem anos não me parece esperançoso.
Claro, estou sendo pessimista. Já vi o suficiente para não ser. Mas quem sabe? Esta ainda é uma terra brilhante. Um vermelho. E preto também. Às árvores que, nas lendas, nos dão o nome, às cores que nos misturam nos seus processos, espero que daqui a cem anos a Abolição seja a história de como mudamos solidamente o rumo das nossas próprias histórias para melhor . Às reparações, à justiça racial que merecemos. Sem violência à vista ou necessidade de nos fechar novamente em grupos. O Brasil merece união, no mínimo. E se isso inclui pintar esta nação de preto, nós o faremos.