Luciane Carvalho
Nadando em Dinheiro é o segundo longa-metragem de ficção protagonizado por Amácio Mazzaropi, dirigido por Abílio Pereira de Almeira e Carlos Thiré e produzido por Pio Piccinini pela Vera Cruz, de 1952. Assim como seu filme anterior, Sai da Frente, Mazzaropi interpreta o personagem Isidoro, um motorista de caminhão de origem caipira que, no cotidiano da cidade grande, enfrenta dificuldades e aventuras. Originado do circo e do teatro, Mazzaropi encontrou no cinema um meio para desenvolver seu humor em estruturas narrativas baseadas no personagem caipira, uma espécie de arquétipo do paulista interiorano, que entre gags e críticas às classes sociais abastadas, conquista objetivos sempre com uma lição moral contra a ganância.
O personagem Isidoro nos é apresentado numa situação de revés, quando seu caminhão Anastácio se envolve num acidente de trânsito com um carro dirigido por um chofer. Em meio a confusão para ver quem estava certo e quem estava errado, o acaso muda toda a situação: um homem que estava no carro ouve o nome de Isidoro Colepicola, e o convence a entrar no carro, alegando que a situação do acidente será resolvida. O caipira vê-se, então, ao lado do leito de morte de um senhor com quem compartilha o mesmo nome e sobrenome. É declarado como herdeiro da fortuna desse que é seu avô desconhecido.
Se inicialmente Isidoro aceita sua nova condição social com aversão, aos poucos o dinheiro conquista-o, permitindo que desfrute da boa vida, oferecendo tranquilidade financeira para sua esposa, Maria, e sua filha. Não tarda para que os problemas apareçam: conhecidos solicitando ajuda, gastos extravagantes com a manutenção do caminhão Anastácio, obras de arte e mesmo com robôs, a inadequação dentro da alta sociedade e seus costumes refinados. O mote do pobre fora de seu lugar, do novo rico que deixa transparecer suas origens humildes e o desprezo da classe alta funcionam como elemento de identificação com o público, num país de desigualdades extremas, ascensão social difícil e em processo de urbanização acelerada como era o Brasil da década de 1950. Tal característica parece-nos fundamental para compreender o sucesso de público dos filmes de Mazzaropi, que encarnava em seus personagens elementos comuns a grande parte da população.
A ascensão social súbita da família de Isidoro, ao mesmo tempo que lhe garante conforto, força uma ruptura com suas origens pobres, num ambiente de amizades e felicidades, enquanto que a mansão simboliza o exagero do novo modo de vida. A questão da alimentação é premente: quando Isidoro chega na vizinhança, recém-saído do banco e com sacos cheios de dinheiro, uma festa é dada em sua homenagem, onde vemos uma oposição no cuidado com a fortuna. Enquanto no banco Isidoro demonstra desconfiança, recusa-se a deixar o dinheiro numa conta e faz questão de contar todas as notas, temendo um roubo ou golpe, ao chegar na vila as notas mal cabem nos sacos, caindo despreocupadamente e indo para as mãos da vizinhança sem maiores problemas. Com a mudança da família para a mansão, o dinheiro é cada vez mais esbanjado, culminando com a icônica cena que dá título ao filme: Isidoro enche uma banheira com notas, mergulha e banha-se com dinheiro. “O patrão está nadando em dinheiro!”.
O enriquecimento súbito e a gradual mudança de atitude com relação ao dinheiro trazem uma série de problemas para a família. Maria reclama do afastamento de Isidoro que, envolto na administração das empresas e de uma amante que se aproveita da fortuna, vê-se cada vez mais isolado. A situação culmina com uma confusão numa loja de roupas femininas: Isidoro leva sua amante para fazer compras, mas acaba tendo uma crise de ciúmes e inicia uma briga com as modelos. Comicamente Isidoro mergulha na briga generalizada, não para brigar, mas sim para tocar as mulheres sem ser notado. Para seu azar, um fotógrafo registra o momento e a situação vai parar nos jornais, fazendo com que a esposa de Isidoro rompa as relações. Essa situação faz com que o novo-rico entre em crise e tenha alucinações, que o fazem perceber como se deixou seduzir pelo dinheiro e o fez perder a família. Essa lição de moral é elemento comum nos filmes de Mazzaropi: o pobre, quando enriquece, não consegue lidar com a nova situação, fazendo-o perceber que a pobreza, apesar de dura, oferece uma vida mais tranquila em termos afetivos. O dinheiro e a ganância são elementos de desestabilização da família, que é sempre a prioridade na hora da derradeira decisão moral. Do encantamento com um novo mundo, facilitado pelo dinheiro inesgotável, segue-se o desencantamento com a inadequação, a falsidade e a perda de laços afetivos.
O enriquecimento inesperado, originado do acaso, totalmente fora do controle do personagem e o posterior retorno às origens parece compactuar com uma certa visão de classe que define rigidamente locais sociais: Isidoro, mesmo milionário, não perde suas raízes humildes, e é visto como um estranho e inadequado na alta sociedade, que o despreza. Isidoro não deixa de desprezar os ricos também, principalmente quando compreende que, apesar de herdeiro legítimo da fortuna, não será aceito na sociedade a qual pertencia seu avô. O trânsito entre as classes sociais não é algo normal nem aceitável na narrativa: são mundos de moralidades diferentes que não conseguem dialogar. A crise final é solucionada repentinamente: ao voltar para a mansão, é cercado pelos robôs, que o confundem com um ladrão. Prestes a ser atacado, Isidoro acorda: tudo não passou de um sonho. Nunca recebeu a herança inesperada, nem aventurou-se pela alta sociedade, mas acorda com a reflexão de que mais vale continuar pobre e tendo a afetividade de sua família do que enriquecer e perder seus valores morais e familiares. Tal resolução parece reforçar a ideia classista de cada um em seu lugar: é melhor o pobre continuar pobre, pois não saberá lidar com a ascensão social. Aceitando um discurso conservador, a narrativa corrobora que, para os pobres, nadar em dinheiro deve ser apenas um sonho.