Paulo Victor Costa
* formado em Estudos de Mídia e desenvolve pesquisas na área do cinema brasileiro e latino-americano. Contato: paulocosta@id.uff.br.
Em um jogo de futebol, o centro das atenções é a partida em si, seus jogadores, os lances, os gols, talvez, até as decisões dos técnicos ou a atuação da arbitragem (que, mesmo em tempos de VAR, ainda gera polêmica). E quanto ao que acontece ao redor? Existem várias maneiras de experienciar uma partida, mas nunca se terá a noção de um todo. E o futebol é composto por elementos e personagens que escapam a quem decide assistir ao espetáculo pela TV e, até mesmo, daquele que vai ao estádio.
Satélites (Léo Bittencourt, 2013) é sobre isso. O documentário se passa na grande final da Copa do Brasil de 2006 entre dois dos maiores clubes de futebol do Rio de Janeiro, Flamengo e Vasco. Na primeira partida, o Rubro-Negro tinha vencido pelo placar de 2 a 0. Mas o diretor não estava interessado na disputa pelo título. As pessoas já conhecem o final desse episódio e sabem que o Flamengo foi o vencedor. Os personagens ao redor do “centro das atenções” são o que importa neste filme, ou seja, os “satélites”.
Seguindo um estilo observador, “Satélites” acompanha vários personagens ao longo de seus 61 minutos de duração. Eles são o foco do documentário, o que é até interessante de se pensar, uma vez que, para eles, o jogo é o que importa. Sendo assim, Léo Bittencourt nem faz uso de imagens da partida. Nós temos o conhecimento e a sensação do que está acontecendo no jogo através das reações e dos pontos de vista desses personagens.
E quem são eles? O flanelinha, torcedor do Flamengo, que acompanha a partida pelo rádio do lado de fora do Maracanã; uma policial militar, que organiza o esquema de “segurança” na entrada da torcida do Vasco; os torcedores: um jovem vascaíno e seu amigo do lado do Vasco e, do lado do Flamengo, o Presidente da Torcida Raça Rubro-Negra e uma torcedora que acompanha também da arquibancada; a vendedora de bebidas; o fotógrafo do Jornal O Globo; e a equipe de transmissão da partida (formada pelo narrador Luiz Carlos Júnior e pelos comentaristas Paulo Cezar Vasconcellos e Alex Escobar).
Talvez a maior evidência de questões sociais esteja presente nos personagens do flanelinha e da vendedora. O primeiro, mesmo estando tão perto do Maracanã, não consegue acompanhar a partida daquele que parece ser o seu time (já que ele estava usando uma camisa do Flamengo). As pessoas chegam, o flanelinha ajuda a conseguir as vagas para os carros — até dá com informações de venda de ingressos com cambistas — e ganha alguns trocados. O acompanhamento do jogo fica por conta de um rádio que ele carrega pela rua no momento em que o jogador Waldir Papel recebe o seu segundo cartão amarelo (quem é vascaíno lembra bem). A segunda está presente no estádio, mas não consegue acompanhar o jogo, porque ela está trabalhando. Vale ressaltar as cenas, quase claustrofóbicas, em que a câmera acompanha a personagem se locomovendo (ou pelo menos, tentando) entre os torcedores para vender suas cervejas (em uma época, que elas custavam apenas dois ou três reais).
Outros personagens também estavam a trabalho durante o jogo. É o caso do fotojornalista, que desde o lado de fora do Maracanã, registra os acontecimentos daquele dia de grande decisão com a sua câmera fotográfica. Do lado de dentro, ele é o personagem que mais se aproxima do campo de futebol e, portanto, o mais atento aos detalhes.
Do lado de fora, em uma das entradas do Maracanã, encontra-se uma policial militar que faz a revista na torcida do Vasco. Nas poucas cenas em que ela aparece, junto aos seus colegas de profissão, um pouco das ações da polícia são apresentadas. Claramente, um dos focos do documentário em relação aos policiais é a maneira agressiva como eles agem com muitos torcedores. Inclusive, não deixa de aparecer no filme aquela infeliz cena da polícia lançando spray de pimenta nos torcedores nas arquibancadas, que protestam ao som de “A PM é a vergonha do Brasil!”.
Satélites também mostra um pouco do trabalho do narrador e dos comentaristas do SporTV/Globo. Eles não têm muita participação no filme, mas também fazem parte do espetáculo. A sequência começa com Paulo Cezar Vasconcellos observando as torcidas no Maracanã, como se estivesse sentindo o clima do jogo, antes de entrar na apertada cabine de transmissão.
No entanto, os que mais se destacam, tanto nos jogos quanto no documentário, são os torcedores. Nesse caso, o filme acompanha, desde a chegada ao estádio, alguns torcedores específicos dos dois lados. No geral, um ponto positivo de Satélites é a representação da atmosfera de uma decisão de campeonato. As câmeras entram no meio da torcida e presenciam, de dentro, a tradicional passagem dos bandeirões. Cenas que retratam a emoção e a festa das duas torcidas, um clima único. Quem frequenta os estádios de futebol sabe o quanto isso significa. Mas, mais do que isso, o documentário retrata as palavras e canções de amor ao clube, a revolta, os xingamentos, as ofensas ao juiz e, até mesmo, aquele torcedor que tenta encontrar as respostas em atos divinos (como é o caso do vascaíno que olha para os céus e critica “toda hora a sorte é para eles”, em referência ao adversário). O interessante é observar que há um recurso de montagem que, geralmente, coloca as duas torcidas em oposição, mostrando a diferença no clima entre uma e outra ao longo da partida.
Satélites é uma visita ao antigo Maracanã, que usa o futebol como base para observar o envolvimento de alguns personagens que estavam ao redor do campo. Diferentes pontos de vista e diferentes formas de interação com o espetáculo. Mas, de certo modo, todos estavam ali pela mesma razão.