O Maraca Não é Mais Nosso

Victoria Pereira

Victoria Pereira, 22 anos, estudante de licenciatura em cinema e audiovisual na UFF, apaixonada por cinema e educação, sendo educadora em formação. Escreveu para o Club do Filme,  Meleka Pop e Vivente Andante. 

Geraldinos (2015) é, acima de tudo, um filme-denúncia. Evoca a memória afetiva dos amantes de futebol para denunciar um projeto que vai muito além da privatização do Maracanã. 

Formado por imagens de arquivo, entrevistas com grandes personalidades e um acompanhamento de personagens emblemáticos da Geral, o longa consegue transmitir a importância que esta área do Maracanã desempenhou na vida das pessoas. Principalmente, na vida do trabalhador carioca. 

Já na cartela inicial, entendemos a importância da Geral, a área mais acessível do estádio. Assistimos ao processo de elitização do Maracanã, bem como o resto dos espaços culturais da cidade, sempre voltados para a zona sul, como relata o político Marcelo Freixo. 

Geraldinos levou cerca de dez anos para ficar pronto. O filme já se bastaria como um curta metragem que mostra o passado e, em 2005, presente da Geral do Maracanã, com imagens de arquivo e depoimentos dos torcedores que ali frequentavam, em um momento de ruptura. Porém, o longa justifica seu longo tempo de produção em um de seus maiores acertos: o acompanhamento de personagens emblemáticos da geral depois de quase uma década. O menino Assis, filho de um fanático torcedor do fluminense, cresceu  e conta, com pesar, como viver sem a geral. 

Quando, uma década depois, os personagens são levados ao Maracanã vazio e fotografados em planos gerais, a melancolia toma conta do filme. Pessoas que antes vibravam, suavam e conviviam em um espaço próprio, agora estavam em silêncio, em ótimas cadeiras, porém inacessíveis. 

A falta da Geral se evidencia no isolamento, na falta do espaço para extravasar. Num futebol mais bonito para a televisão e investidores estrangeiros, mas sem o calor do público conversando com o técnico e interagindo com os próprios jogadores. Trata-se de um espetáculo em uma redoma de vidro. A nova dinâmica de assistir aos jogos em lugares fechados, com uma pequena televisão e o mínimo de interação destrói o ritual, o entretenimento. Isso se evidencia principalmente no torcedor do Flamengo Eri Velasco, antes tão alegre e alto astral, agora vendo os jogos de seu time em bares, torcendo sozinho e com um semblante totalmente diferente. 

À primeira vista, o documentário parece desnecessariamente longo, com imagens de arquivo repetitivas, de pessoas diferentes, de épocas diferentes, torcendo no mesmo lugar. No entanto, esta repetição pode ajudar o espectador que não conheceu a geral, a ter uma noção da pluralidade e da quantidade de pessoas que ali passou ao longo dos anos, ilustrando a falta da geral a partir de tantos corpos. 

Um jornalista faz uma comparação da colonização espanhola com a privatização do Maracanã, falando que as intenções realmente eram de mostrar que aquele espaço virou deles, aquele templo foi tomado da população, humilhando-os, o que evoca a fala do torcedor Zé Luiz: 

 

 “eles querem tirar o pobre de tudo quanto é lugar. Já tiraram da praia, agora querem tirar do maracanã também”. 

 

Os realizadores acertam trazendo o depoimento de Marcelo Frazão, o então Diretor de marketing da concessionária Maracanã, que realmente não faz a menor noção da realidade, afirmando que ninguém sente saudade da Geral, um lugar insalubre. O sujeito alega que não estava sendo realizado um processo de elitização do futebol e do maracanã. 

A sequência posterior trata dos trabalhadores fazendo a obra cobertos de máscaras de EPI, mas me pergunto como estaria o semblante deles embaixo dessas máscaras, visto que esses trabalhadores estavam destruindo justamente o lugar que lhes era acessível. Geraldinos desmascara a violência por trás da construção desta nova arena: os trabalhadores são contratados para construí-la, mas não desfrutá-la.

 

Para quem houve melhora? 

 

À medida que é mostrado um projeto de design da expectativa do novo Maracanã, continuamos ouvindo de fundo o barulho de obra e destruição. Essa escolha, seguida da fala de Marcelo Freixo acerca da destruição de um projeto de cidade acessível, define bem a opinião dos autores sobre o fim da Geral. A obra, ao invés de construir, destrói. E o som deixa a destruição quase que palpável. 

A Vovó Tricolor, personagem torcedora do Fluminense no filme, por acaso é a minha avó. Digo, avó de verdade, fora do estádio. Até hoje, com 80 anos, ela vai assistir aos jogos, mas relata a falta que a geral faz. Para ela e para tantos outros, a Geral era uma vitrine, um lugar de desopilar e extravasar. Vemos em algumas cenas momentos parecidos com o carnaval, de festa, no qual as pessoas, fantasiadas ou não, se destacavam na multidão e eram reconhecidas.

Quando a questão foi traçar um perfil de comportamento dos Geraldinos, a conclusão foi a de que este não existe. A beleza da Geral estava exatamente nessa reunião de pessoas de diferentes origens e lugares convivendo juntas no mesmo espaço. Com seu fim, lá se foi o “espelho de uma possibilidade de cidade”.

Geraldinos, portanto, se trata de um filme documento da história, trazendo a política e o futebol lado a lado e, infelizmente, a perda de um patrimônio para as garras da privatização.